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Na semana passada, nosso colega Antonio, aqui no blog, sugeriu o filme Fita Branca – Dass Weisse Band – – Eine deutsche Kindergeschichte – do alemão, radicado na Áustria, Michael Haneke como um bom programa de final de semana.

Vendo e admirando o filme, sob o impacto da eclosão do escândalo da revelação dos abusos sexuais na Alemanha, creio que ele pode contribuir para compreender algumas das causas mais profundas deste triste fenômeno de sociedades extremamente repressoras.

Vale a pena conferir!

Como tem se tornado costume de toda sexta-feira do Blog do IHU segue uma dica de cinema para os interessados na Sétima Arte.

A pedida de hoje é A fita Branca (Dass Weisse Band) do austríaco Michel Haneke, o mesmo diretor de Caché e Funny Games . A história transcorre no préludio da Primeira Guerra Mundial em uma pequena cidade do interior da Alemanha, onde passam a acontecer acidentes envolvendo moradores do local. Temas como a origem da intolerância e a dificuldade em lidar com o outro pontuam a obra. O filme venceu a Palme D’or do Festival de Cannes em 2010.

Abaixo o Trailer:

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Estréia este final de semana nos cinemas – mesmo depois de já ter sido lançando em DVD – Guerra ao Terror (The hurt Locker) da diretora Kathryn Bigelow. Não se trata apenas de um filme de guera, como em um primeiro momento pode se imaginar, pelo contrário esta serve apenas como pano de fundo para o drama humano, quando homens se dispõem a matar e morrer.  A construção da indiferença como mecanismos de sobrevivência e os impactos disto no cotidiano, mostrando que mesmo longe da guerra, suas marcas nunca abandonam os indivíduos, na qual  temos a impressão que há uma quebra no laço humano que nos une, retirando o próprio sentido da existência.

Confira o trailer no link: http://www.youtube.com/watch?v=OJS4maWtw5s

Garapa

Em 19 novembro, 2009 Comentar

O recente fracasso da reunião internacional convocada pela FAO para debater a fome do mundo mais uma vez terminou em palavras, como podemos ler nas Notícias do Dia, 18-11-2009.

No entanto, a fome não terminou. Nem no Brasil.

No Cine Bancários, de Porto Alegre, está em cartaz o filme Garapa, de José Padilha.

Reproduzimos abaixo o artigo “Estética da fome” de Luiz Carlos Merten, crítico de cinema, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 03-04-2009.

Eis o artigo.

Em Berlim, logo após a exibição de Garapa no Forum, houve um debate. A imensa maioria das 300 pessoas que compunham a plateia ficou para discutir o filme com o diretor José Padilha, vencedor do Urso de Ouro, no ano passado, por Tropa de Elite. Um jovem alemão perguntou a Padilha qual o seu objetivo com o filme que trata da fome, mostrando pessoas que enganam o estômago tomando um caldo de água com açúcar. Padilha queria dinheiro para criar algum fundo de combate ao problema? Visivelmente emocionado, o garoto acrescentou que, se fosse isso, lhe daria, naquele momento, todo o dinheiro que tinha. Padilha foi incisivo. A fome se combate por meio de vontade política, de planejamento de Estado – e é preciso colocar no plural, de Estados, pois se trata de um problema universal. Em todo o mundo, são 810 milhões de pessoas famintas.

Por que o filme? “Para que você veja” – para que todo o mundo veja o que não quer ver, a fome crônica, que debilita o indivíduo, consome suas forças, embota seu cérebro e transforma as pessoas em farrapos humanos.

Desde Berlim, e antes disso, claro, Padilha tem refletido muito. Para ele, Garapa é seu filme mais universal. Ônibus 174 e Tropa de Elite propõem diferentes enfoques de uma realidade que pode ser próxima à de outros países, mas são profundamente encravados na paisagem brasileira e, mais do que isso, carioca. Sandro, o menino de rua, e o Capitão Nascimento, o policial militar, mergulham intensamente na violência e o filme tenta entender, ou expor, o que os leva a essas viagens. Já o problema de Garapa ultrapassa, e muito, as fronteiras do País. Padilha filma três famílias. Em todo o Brasil, são cerca de três milhões, pois as estatísticas contam 11 milhões de famintos. Eles compõem uma fatia mínima, pouco mais de 1%, dos 810 milhões nas mesmas condições, espalhados pelo planeta.

São filmes em tudo diferentes, mas próximos na cabeça do diretor. Padilha cita o inglês Desmond Morris, que analisou os comportamentos humanos e animais com base na zoologia. Por mais importantes, e necessárias, que sejam as estatísticas, Padilha, com base em Morris, diz que elas não sensibilizam as pessoas. “O que você vê sente. Se a pessoa é próxima de você, o efeito é outro, seu comprometimento é maior.” Por isso, Padilha filma com tanta intensidade – para aproximar o público de Sandro, do Capitão Nascimento, de suas famílias de famélicos.

Embora Garapa esteja chegando ao público somente agora, foi feito com Tropa de Elite. Padilha tem um temperamento que o leva a fazer várias coisas ao mesmo tempo. Na verdade – é tudo verdade – Padilha interrompeu a montagem de Garapa para concluir Tropa e, depois, o fenômeno em que o outro filme se transformou o impediu de voltar imediatamente ao filme, que pertence à linha de documentários sociais que o diretor e seu sócio, Marcos Prado, vêm realizando. Estamira, que Prado dirigiu, nasceu como ensaio fotográfico sobre o lixo, na tradição do fotojornalisamo de Roberto Capa e Sebastião Salgado. Estamira, Ônibus 174 e, agora, Garapa expressam o engajamento social da dupla.

A foto em preto e branco não é para homenagear o Cinema Novo, mas porque a cor pode dar uma falsa sensação de alegria. Padilha é capaz de falar horas sobre como, em arte, ser fidedigno nem sempre é eficaz. Cita Edward Munch e sua representação ‘distorcida’ da angústia no quadro O Grito. Em Garapa, quis ser seco, despojado, nenhuma firula. Em busca de subsídios, o diretor bateu na porta de Chico Menezes, do Ibase, um instituto de pesquisas. “Chico me sugeriu que pegasse três famílias, uma da cidade grande, outra bem do interiorzão e a terceira de beira da estrada, numa cidade menor. Seriam três amostragens representativas.” No primeiro centro de nutrição que visitou, no Ceará, Padilha encontrou uma de suas personagens. Como documentarista, tentou não interferir, mas, como diz, o dogma não é absoluto e pode ser revogado diante do problema humano. Ele não entrevistou – exceto algumas perguntas, em casos especiais -, mas comprou remédio e levou ao dentista o menino que, só consumindo açúcar, tem dor de dentes. Não comprou comida nem impediu que aqueles pobres homens usassem seus últimos trocados para comprar cachaça, em vez de alimentos.

Quem espera do diretor uma crítica ao governo Lula vai se decepcionar. O programa Fome Zero deu resultado, embora não resolva o problema. É por isso que Padilha pede ao repórter que não publique o que você vai ler agora. A quebra de compromisso é para revelar o homem, não o artista. Padilha e seu sócio, Marcos Prado, doaram o filme às famílias enfocadas, mas ele não acredita na caridade, e menos ainda na caridade anunciada, como solução. Só que a história ilustra, melhor do que qualquer outra coisa, o tipo de compromisso que estabelece com seus personagens (e espera que o público estabeleça também). Padilha tem consciência de que pode estar resolvendo o problema de três famílias. Existem três milhões delas no Brasil. Seus problemas, só a vontade política poderá resolver.

Entrou em cartaz, ontem, em Porto Alegre, o documentário Ôrí, de Raquel Gerber.

Vladimir Carvalho, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 22-05-2009, o belo e interessante filme:

Ôrí, um filme realizado há mais de 20 anos e agora restaurado, é verdadeiramente precioso, no sentido de sua surpreendente atualidade, desde quando pretendeu realizar uma espécie de súmula histórica, social e cultural da “consciência negra”, com ênfase nas suas relações com o Brasil.

Perfazendo 11 anos de filmagens entre Brasil e África, o empenho de Raquel Gerber e sua afinada equipe se configura ainda hoje – quando alguns marcos insofismáveis da presença negra no nosso País já são irreversíveis – como um esplêndido painel onde a lenda, o mito, a diáspora, os rituais, a luta, a dor e a alegria de viver de um povo se projetam poderosamente num amálgama de rara beleza plástica e narrativa. Às vezes suave, pela voz quase murmurada de Beatriz Nascimento, a narradora, inserindo sua pungente história familiar e pessoal no fluxo coletivo da epopéia maior, às vezes contundente e caudaloso em lances que ecoam no âmbito mundial, transcontinental e conflagrado, o documentário cativa e envolve pela dosagem certa com que conjuga , via edição, a sua matéria ”jornalística”, cobrindo atos e acontecimentos cruciais, com a carga intensamente poética que advém da paisagem, da música, das danças, dos rostos e das máscaras, dos discursos inflamados, das celebrações, enfim.

Num tempo de cotas para negros, de certificações de quilombos, de conquistas não mais territoriais mas culturais e de caminhos que a cada dia se abrem à frente da comunidade negra no Brasil, Ôrí é (ou foi) quase uma profecia. E no quadro de ascensão e afirmação do documentário brasileiro hoje, deve ser incluído natural e legitimamente como se pertencesse à nossa última safra de filmes.