Recebemos de Pedro A. Ribeiro de Oliveira, professor da PUC-Minas e membro de ISER-Assessoria uma reação à conjuntura da semana publicada no dia 20 de fevereiro de 2009.
Eis o seu comentário:
Sou leitor assíduo da análise de conjuntura do CEPAT, que é muito boa. Aliás, as Notícias do Dia do IHU on-line é hoje minha principal fonte de informações e um referencial seguro para formação de opinião. Dito isso, quero fazer uma crítica à afirmação de que
“A crise mundial evidenciou também um vazio teórico das esquerdas. No Fórum Social Mundial em Belém, multiplicaram-se as análises do gênero “bem que avisamos”, “uma crise anunciada”, “nós prevíamos”. Uma questão de fundo, entretanto, permanece: O que a esquerda propõe frente à crise? A esquerda se encontra aparvalhada. A sua ousadia se resumiu quando muito à reprodução das ideias keynesianas. O máximo que a esquerda vê na crise mundial é a possibilidade de fortalecimento do Estado, algo para o qual nem a direita, hoje, oferece resistências.”
Essa afirmação me parece insustentável, e isso por dois motivos. O primeiro, é que ela não corresponde à realidade. O segundo, é que ela cabe como uma luva para justificar que a política macroeconômica seja entregue ao H. Meirelles, a política agrária à bancada ruralista, o ministério das Minas e Energia ao Sarney, o das Comunicações à Globo e o dos Transportes a algum fisiologista do PMDB. Afinal, parafraseando Dostoiewsky, “se a alternativa de esquerda não existe, tudo é permitido”. Mas é sobre o primeiro motivo que quero falar.
Não percebi em Belém, o “vazio teórico” ao qual se referem intelectuais que desde a derrota do socialismo soviético na guerra-fria, não se deixam mais questionar por Marx. O que senti no FSM é o desencontro metodológico na busca de bases comuns para a teoria da praxis. O verdadeiro problema, em meu entender, reside no método de análise da realidade presente. Enquanto alguns procuramos usar a teoria herdada de Marx para interpretar os “sinais dos tempos”, vendo a história como campo de conflitos de interesses (de classes, etnias, gêneros e outros) outros vêm os conflitos como fator de instabilidade criativa cuja função é aprimorar, a longo prazo, a ordem do sistema. Aí reside, em meu entendimento, o divisor de águas na teoria da história. Mais. Quem leva a sério a hipótese da determinação em última instância (não em todas as instâncias), da produção e reprodução da vida material, não separa a Economia da Política.
A dificuldade, não está no “vazio teórico”, mas no seu contrário: há muitas teorias disponíveis, sem que seja fácil discernir as de boa qualidade e as de má qualidade. Felizmente, já não existe mais um Partido que se arrogue o direito de definir qual é a teoria “justa” e quais são as “ideologias”. Isso nos obriga a confrontar inúmeras teorias, hipóteses e interpretações – por vezes as mais esdrúxulas – em busca de uma base teórica segura. E isso toma tempo. Aliás, democracia toma tempo. O preço a pagar por termos dispensado uma “vanguarda” que define o certo e o errado é sermos obrigados a encontrar, com nossas próprias forças – e fraquezas – o caminho a seguir.
Para isso existe o FSM. É um espaço de diálogo, de muita conversa, sem tomadas de decisão, sem “palavras de ordem”, mas é aí que está se constituindo a teoria da praxis do século 21. Ela é herdeira do século 19 (Marx) e do século 20 (as experiências socialistas e da democracia) mas hoje necessita um novo paradigma teórico, bem diferente do paradigma cartesiano, que consiga enxergar a história humana como parte da história da Terra, considerando que somos parte de uma comunidade de vida muito maior do que a humanidade. Isso implica, entre outras consequências, a crítica radical do produtivismo-consumismo em favor da harmonia ecológica. É uma dificuldade enorme, sim, pois encontram-se nessa discussão todo tipo de idéias, mas não é, de modo nenhum, um “vazio teórico”.